quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Maratona de Santa Catarina. Quanto Tudo Está Certo Para Dar Errado


Saudações...


Neste último Domingo corri a prova que vinha me preparando já alguns meses, a Maratona de Santa Catarina. Florianópolis é uma cidade muito agradável e cada vez que lá vou, penso em diversos motivos para não mudar de cidade definitivamente e morar por lá. Só assim consigo retornar para Curitiba, hehe!

Suada, desejada e merecida!
3:53 horas literalmente correndo atrás dela.
Pensamentos a parte, esta foi a terceira prova de corrida de rua lá que participo. Tanto ano passado, quanto este ano corri a Meia Maratona Internacional, realizada em Março e não canso de afirmar o quão boa é a organização e também o prazer que tenho em correr esta prova. Entretanto, este ano teria um grande desafio, a Maratona que lá iria se realizar e desde Agosto vinha treinando para ela.

Treinar para uma Maratona não é fácil. São meses e meses de treinamento específico, corridas regenerativas de uma hora (variando as vezes de 10 a 12km/h), séries intermináveis de tiros e treinos longos nos finais de semana, chegando a 25, 30km em uma bela manhã de domingo com muito sol, desidratação e indigestão (vamos pular esta parte, não quero tirar o brilho do resto do post, hehe).

Durante as duas últimas semanas antes de uma Maratona, o foco foi diminuir a intensidade e o volume dos treinos, mantendo o corpo rodando de forma descansada a fim de se livrar totalmente do ácido lático presente no corpo e deixando-nos com força total para correr. O cuidado com a alimentação também foi crucial e fiz uma boa dieta baseada em carboidratos nos dias que antecedem a prova, cortando o consumo de gorduras e besteiras desnecessárias. A estratégia que normalmente sigo é interromper o consumo de chocolates, refrigerantes e outras besteiras pelo menos duas semanas antes. Bebidas alcoólicas então, já fazia mais de um mês que não botava pra dentro.

Os treinos foram fortes. Séries perfeitas de tiros, treinos de velocidade e o controle dos batimentos cardíacos, mostrando que estava conseguindo aproveitar muito bem a explosão muscular, mantendo uma boa velocidade com uma frequência cardíaca baixa. Treinos longos nos finais de semana, incluindo a Meia Maratona Noturna de Curitiba sete dias antes da prova, com um ritmo tranquilo (perto do que imaginava levar na Maratona) e um batimento cardíaco de 155bpm de média.

Saindo do túnel. Tudo positivo.
Eis que chega o grande Domingo. A largada seria as 7:30 da manhã. Acordei como de costume as 4 horas da madrugada e tomei meu primeiro café da manhã, com pão com manteiga e presunto, acompanhado de um copo de isotônico e voltei a dormir. As 5:30 acordei novamente e comi outro pão com presunto e fui tomando meu isotônico no caminho para o local da largada. Ao chegar lá, tudo parecia estar OK. Inclusive minha tradicional dor de barriga pré-prova a qual me levou ao banheiro químico e me fez usar os metros de papel higiênico trazidos de casa. Inclusive, aqui fica a nota para qualquer pessoa que vá correr, sempre leve papel higiênico pois os mesmos são peças raras em banheiros químicos de provas e é muito comum ver várias pessoas gritando como zumbis atrás de cérebros, porém a procura de alguns centímetros do artefato.

Tudo pronto, encontro um colega de Curitiba o qual gentilmente me cede duas pastilhas de sal, evitando assim que eu usasse apenas os sachês de sal (esses que a gente tempera salada e batatas fritas) arranjados no Shopping na noite passada. Quinze minutos antes da largada, consumo um gel de carboidratos (tendo outros 5 na cinta para serem usados na prova) com um pouco de água e vamos alinhar para a largada em busca da meta de 3:30 horas para percorrer os 42.195 metros daquela prova.

Poucos minutos após as 7:30, soa a buzina dando início a um estouro de atletas, cada um buscando superar seus próprios desafios. Diferente de uma prova de 5 ou 10km, nas Maratonas não vemos atletas de final de semana e todos os que estão ali, senão a grande maioria, sabe o que está fazendo. Quando largamos, temos a certeza que teremos pelo menos 2, 3, 4 ou até mesmo 6 horas pela frente, correndo. As dores e as cãibras em breve virão, só basta controlar para que elas demorem o máximo possível para chegarem. Manter controle sobre o ritmo que se está correndo, atentando-se a hidratação e cuidando para se alimentar nos tempos corretos é a receita certa para se manter competitivo, mesmo que esta competição seja apenas contra você mesmo.

Detalhe para o atleta de verde, mostrando
que a prova não estava fácil
A prova era praticamente plana. Quem conhece Florianópolis sabe que a Avenida Beira Mar, onde a Maratona foi realizada, é composta de um falso plano (com subidas e descidas leves), além de um longo trecho reto, acompanhando o mar e com poucas áreas sombreadas, por mais árvores que existam naquela avenida. Largando do Sambódromo, o percurso descia por cerca de 5km após o túnel e depois retornava, subindo a avenida, passando pelo shopping Iguatemi e seguindo até próximo a UFSC, onde era feito o retorno, descendo, passando por dentro do sambódromo (onde éramos aplaudidos e revigorávamos as forças para os últimos 12km de prova), seguindo novamente por mais alguns quilômetros após o túnel e retornando para a "bandeirada quadriculada final".

Com um percurso muito mais convidativo que Curitiba, a qual está listada entre as mais difíceis do Brasil, a bela ilha esconde um segredo que pode acabar com os planos de qualquer pessoa: Sua previsão do tempo. E nesse final de semana, ele não apenas deixou a prova mais difícil, mas também acabou com ela para muitos atletas.

Minha estratégia era correr quatro provas de 10km e fazer um sprint de 2km no final. Dividindo a prova em pequenos trechos conseguimos enganar o cérebro, fazendo com que o mesmo não sofra tanto para terminar uma prova dessas. As duas primeiras "provas" de 10km, eu faria para um ritmo entre 5:15min/km a 5:00min/km e depois, caso estivesse me sentindo bem, manteria 5:00min/km e iria forçando conforme a prova fosse acabando. Com o corpo descansado e o dia ainda raiando, foi fácil de levar o primeiro quarto da prova em pouco mais de 50 minutos. O segundo quarto, a exemplo do primeiro, também saiu para pouco menos de 52 minutos e este acréscimo deveu-se principalmente aos ventos que acompanhou-nos por muitos quilômetros, geralmente na cara e entre 15km/h a 20km/h. Se em provas de atletismo, ventos de poucos metros por segundo já são suficientes para influenciar em recordes mundiais, ventos como os que tínhamos na prova foram fundamentais no processo de esgotamento que todos sofreram durante a prova.

Comigo não foi diferente. Quando cheguei ao km 30, passando por dentro do sambódromo, estava com cerca de 2:45 horas de prova. Sabia que o meu objetivo de 3:30 horas não seria alcançado mas jamais imaginei que as condições climáticas podiam esgotar tanto uma pessoa quanto da forma com que fiquei. Se para a Maratona de Curitiba ano passado eu pude fazer vários treinos no período do meio dia, brigando contra um sol escaldante, para esta praticamente fiz meus treinamentos semanais a luz do luar e sei que isso me prejudicou. Estava preparado para os 42km. Estava alimentado, hidratado e com tudo em cima para os 42km da prova. Porém eu não estava pronto para lutar contra o vento e tão pouco contra o mormaço que vinha do mar, aliado aos intervalos que o sol aparecia, rachando o coco. As inconstâncias climáticas e o vento contra foram o inimigo que lutei durante as 3:53 horas que permaneci correndo, sendo que os últimos 12km foram os mais longos que já corri até hoje. Cada vez que olhava para frente e via uma placa da marcação, dizendo que mais um quilômetro era vencido, parecia que ela corria mais rápido que eu. Acostumado a levar entre quatro a cinco minutos para vencer 1km, em alguns momentos levei perto de 8 minutos para vencer a mesma distância.

Chegando no km 34, encontrei um amigo de treino muito forte e vi realmente que a prova estava castigando os competidores. Ele vinha se arrastando a muito tempo, atordoado por cãibras e dores. Tentei puxá-lo, incentivando-o, mas acabou ficando para trás. De qualquer forma fiquei feliz em saber que terminou cerca de dois minutos após eu ter cruzado a linha de chegada.

Quando cruzei o km 38, eram apenas quatro mil, cento e noventa e cinco metro dos fatídicos 42195m que deveriam ser vencidos. Neste momento, gritei comigo, busquei forças lá do interior e apertei o passo. Foram precisos alguns metros para que minha panturrilha direita desse uma fisgada fortíssima, a qual quase me levou para o chão e me manteve mancando por alguns minutos. Decidi então seguir em um ritmo um pouco mais lento que a minha tentativa de sprint mal sucedida, porém mais rápida que vinha tendo.

Correndo dentro do túnel
Ao sair do túnel, faltava menos de 1km para a chegada. Já não mais conseguia segurar a emoção. Meses de treinos, meses de dedicação, deram resultado e me levaram a completar minha segunda Maratona. Venci novamente. Venci minhas dificuldades e também as dificuldades colocadas por Deus, sábio em fazer da Ilha da Magia um lugar não apenas maravilhoso para se competir, como também um lugar desafiador. O último quilômetro corrido foi com os olhos mareados, agradecendo pela mudança na minha vida nos últimos tempos. Agradecendo pela segunda chance que tive em fazer da minha vida um exemplo para mim e também para minha família que é possível chegar onde queremos e para isso só depende de nós mesmos.

Ao cruzar a linha de chegada, estava cansado, estava morto, mas estava feliz. Abaixar-se para tirar o chip do tênis era uma tarefa tão difícil como para alguém que não tem os dois braços coçar a bunda possa ser. Parei, me recompus. Alonguei as pernas. Alonguei novamente. Fiquei ali, antes de receber a medalha, por alguns momentos, vendo outros atletas chegando, felizes em fecharem a prova. Ao entregar meu chip e receber a medalha, encontrei minha família e meus grandes amigos Lislei e Cezar, os quais nos acompanharam até Florianópolis para mais esta "loucura" da minha parte (e também para nos acompanhar nos excelentes almoços regados a peixe e sequências de camarão, lógico).

Eu, minha esposa, meu filho e nossa "filha postiça"!
No final, é tudo alegria
Feliz, voltei para Curitiba com a sensação de dever cumprido. Esta semana agora e a próxima são de descanso e recuperação. Corridas de 30 minutos em dias alternados irão me ajudar durante este período.

Esta foi a minha segunda Maratona. Para uma pessoa que até dois anos atrás sequer havia corrido 1km na vida, estes pouco mais de 42km ainda são um tabu. Não é possível prever o que irá acontecer em uma prova destas. Treinamos e sabemos exatamente o que deve ser feito. Conhecemos os nossos limites e como devemos tratá-los. Entretanto esquecemos as condições externas são as que nos dão os desafios a serem superados e é aí que a cabeça deve ser forte para manter o corpo forte. Se para provas de 10km eu sei exatamente como correr. Se para provas de 21km eu sei exatamente qual estratégia seguir. Para as Maratonas eu ainda sou um grande amador, um grande pangaré, hehe. Sinceramente, espero continuar assim, pois é desta forma que os desafios aparecem. Cada vez que olho a medalha de "finisher" da Maratona de Curitiba, assim como vejo agora a medalha que ganhei em Florianópolis, dou um valor inestimável a elas.

E o próximo desafio? Já tem data marcada. É só acompanhar por aqui. Serão sete (longas) semanas até lá!


Abraços e até a próxima...

9 comentários:

  1. Olá, Guilherme.
    Visito seu blog pela primeira vez. Te achei através do Luiz (Corridas do Luizz). Fiquei muito contente com carinho que você tem pela minha cidade. É tão bom ver a participação de outros corredores em provas realizadas aqui. Parabéns pela prova, pela conquista e pela família.
    Tbem tenho um blog de corrida, quando der, apareça por lá.

    Forte abraço e bons treinos!!

    Helena
    correndodebemcomavida.blogspot.com

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    1. Olá Helena, boa noite. Obrigado por seu comentário. Florianópolis é linda e cada motivo que encontro para ir para lá é apenas mais uma desculpa para passar mais tempo nesta terra. Sempre que vou, gosto de ficar na Barra da Lagoa justamente por precisar passar pelos morros, mirantes e principalmente pela Praia Mole, acho espetacular a vista ali.

      Já visitei o seu blog e estou seguindo. Muito legal. Obrigado pela dica e nos vemos por aí.

      Um abraço e até mais
      Guilherme Baron

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  2. Uma aula Gui, muito bom mesmo seu texto, pra quem está pensando em fazer uma maratona, sua estratégia descrita é um ótimo norte a seguir.

    Parabens meu amigo, como sempre inspirador e desafiador.

    orgulho de vc

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    1. Oi Paulo, boa noite. A cada prova, a cada km, a gente aprende novas maneiras de fazer com que o tempo e a distância fiquem mais curtas e mais prazerosas. Te digo que seguindo o que fiz em Florianópolis, os primeiros 25km eu nem senti passar. Quando vi, já estava beirando os 30km!

      A maior estratégia para as Maratonas é não colocar a corroça na frente dos burros. Trabalhar a cabeça e exercitar o corpo. O antigo ditado "Mente sã em corpo são" é o resumo perfeito que precisamos para uma Maratona. Mesmo assim estamos vulneráveis as condições climáticas e com isso tudo pode mudar.

      Continue treinando meu amigo, assim como continue crescendo e progredindo. Em breve ainda vamos correr juntos.

      Um abraço

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  3. Parabéns pela prova e pela superação.
    Fiz minha estreia na última maratona de floripa em 2009 que foi tão cruel que foi cancelada. Agora voltou melhor e preciso voltar para essa maratona e acertar as contas. hehehe
    muito legal seu blog
    Abraço
    Colucci
    @antoniocolucci
    www.webrun.com.br/colucci

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    1. Olá Colucci, obrigado por sua visita.

      Acho que todos nós quando engasgamos com alguma prova, voltamos depois de um tempo para fazê-la de forma perfeita. Provavelmente ano que vem terei que ir correr Floripa novamente para tirar o amargo que ficou na garganta! :)

      Tenho a mesma sina que tu com Curitiba (minha terra natal). Este ano irei corrê-la novamente para superar minha marca do ano passado e as dificuldades que encontrei. É incrível como amadurecemos com o passar do tempo e passamos a entender o porquê da dor e do sofrimento valerem tanto a pena, ao ponto de tornarem-se insignificantes quando cruzamos a linha de chegada.

      Um abraço
      Guilherme Baron

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  4. Guilherne, se voc^eescrevesse mais uns 50 parágrafos eu leria todos.
    Seu texto, consequencia da sua vivência, foi muito atraente e impactante. Saboreei cada palavra, cada princípio, cada aprendizado.
    Meus parabéns pela conquista e pela realização.
    Meu abraço!

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    1. Olá Luiz, obrigado por seu comentário e muito obrigado por me dar mais motivos para colocar cada vez mais detalhes que as pessoas possam apreciar e sentir o que passei, ao invés de apenas dizer pelo que passei.

      Um grande abraço e até mais

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  5. Guilherme, parabens pela prova.
    Que sufoco.
    E que venha Curitiba ...., #medo

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Desde já agradeço seu comentário!

Obrigado e até mais.
Guilherme Baron